Diário de bordo: uma Manauara na selva

Quer saber como é o dia a dia em um hotel de selva? Trilha pela mata, boto cor de rosa, igapós, praias de rio, oficinas, sol nascente… Leia o relato completo de 6 dias da Yolanda:

Me chamo Yolanda e sou manauara de nascimento e coração. O que você precisa saber sobre mim é que eu acredito fortemente que somos influenciados pelo lugar em que nascemos. E por conta disso, acredito que viver em uma cidade no meio da Floresta Amazônica me tornou uma eterna apaixonada pela natureza, assim como tudo que vem dela. Nascer e crescer em Manaus me ensinou a valorizar minhas raízes e a ter orgulho de ser do Norte. 

Apesar de viver há 24 anos na capital amazonense, não conheço a realidade e a vivência de pessoas que moram no interior. Ou os seus costumes e saberes ancestrais. 

E foi isso que fez com que a minha ida à Caboclos fosse tão impactante e transformadora. Nos próximos parágrafos, te conto um pouco mais sobre como foi pra mim, manauara, viver essa experiência na natureza.

Dia 1: Chegando na Caboclos

“Seu Sílvio, eu demorei muito? O elevador não chegava nunca.” 

“Não, filha, nem se preocupe. Eu que cheguei mais cedo.” 

O relógio marcava 10h30 quando Seu Sílvio me buscou em casa, na terça-feira. Era o início da minha experiência de cinco dias em um hotel de selva na Amazônia. 

Há mais de 28 anos trabalhando com transporte, Sílvio leva muito a sério os compromissos feitos com seus passageiros. “Quando você faz as coisas com amor, fica mais fácil, né filha?!”. Ao desembarcar do carro de Seu Sílvio, 1h depois, eu já me sentia parte da família. Suspeitava que esse sentimento continuaria por perto durante toda a semana… 

Para a segunda parte da viagem, o carro foi substituído pela canoa, que levava as malas e o peixe comprado pelo Seu Sílvio (especialmente para o nosso almoço), e a estrada foi trocada pelo rio. Não havia mais janelas, o vento batia em nosso rosto e o azul e verde tomavam conta da paisagem. Árvores que se perdiam umas nas outras marcavam o caminho muito bem memorizado por Caio, nosso canoeiro. 

Mesmo não reconhecendo os caminhos por onde passava, sentia que a floresta me convidava a ir cada vez mais fundo em suas curvas. 

Depois do que pareceu ser apenas alguns minutos, o rio nos levou diretamente até à Caboclos, onde Nilde e sua família nos esperavam com suco de cupuaçu e sorrisos no rosto. “Bem-vindas! Essa é a casa de vocês na floresta!” 

Logo descobrimos que ali quem manda na programação é a mata. Os passeios ocorrem de acordo com o ritmo e o tempo da floresta, por isso, tudo está sujeito a alterações. E eu estava pronta para abrir mão do controle e ser surpreendida pela natureza. 

Depois de uma recepção deliciosa com pirarucu e banana frita, fomos passear pelos igapós, que marcam a chegada da cheia na Amazônia. Quando o rio sobe, a água da chuva vai adentrando pela mata, e assim surge uma enorme floresta alagada, onde a água e a terra convivem em harmonia. 

Enquanto Gabriel, nosso guia e irmão de Nilde, ia nos ensinando sobre as características da floresta alagada, me senti em uma escola ao ar livre. Fui teletransportada às minhas aulas de geografia sobre a Amazônia. Só que agora, o professor era alguém que tinha nascido e crescido naquele lugar, e o quadro branco era a floresta. Foi uma aula muito mais divertida e interessante.

boto cor de rosa

Dia 2: Nadando com os botos cor de rosa

Depois de ter dormido ao som das cigarras e da chuva no telhado, eu estava super disposta e animada para tomar um café da manhã bem regional. O cheirinho da banana frita e tapioca dava bom dia à minha barriga. 

As grandes árvores que formavam o cenário do restaurante da Caboclos também eram a minha parte preferida das refeições. Comer ao redor de tanto verde e ouvindo os pássaros deixava a comida ainda mais deliciosa. 

Entre uma mordida e outra, Gabriel apareceu para nos passar o roteiro da manhã: conhecer os botos cor de rosa. 

Às 9h saímos em direção ao flutuante Encanto do Boto, propriedade de Caio, o nosso canoeiro, e sua família. Aqui, mais uma vez, pude observar como os moradores da comunidade respeitam a natureza e os animais. O flutuante recebe turistas três vezes por semana e tem um limite de apenas 25 peixes por boto. Dessa forma, os animais não ficam totalmente domesticados e continuam caçando seu próprio alimento. 

Enquanto eu estava lá, tive a alegria de ver dois botos cor de rosas. Um deles já era conhecido de Caio, por isso, se sentia mais seguro para nadar por nossas pernas. O segundo era novato por aquelas bandas, e ainda estava tímido, não vinha até a superfície. Víamos apenas o seu longo “bico”. 

Observar tão de pertinho o personagem principal de um grande folclore brasileiro foi uma experiência única. 

oficina sabonetes

Preparando meu próprio sabonete

A segunda parte do dia começou com um saboroso almoço regional, preparado com muito carinho pela Rebeca. Mais uma vez, me senti em casa almoçando e ouvindo as conversas da família de Nilde. Moram todos no hotel, deixando ainda mais palpável a sensação familiar e caseira.

O soninho pós-almoço foi embalado pela rede no redário da Caboclos. 

Às 15h fomos para a Oficina de Sabonetes Artesanais feita pela Sueula, uma das empreendedoras da comunidade.  Ribeirinha, Sueula viu na produção de sabonetes naturais, artesanais e amazônicos uma oportunidade de negócio. Além de dar as oficinas aos turistas, ela também vende seus produtos aos hóspedes. 

Após um ano empreendendo, Sueula conseguiu poupar para investir na construção de seu próprio espaço, o Cheiro da Floresta. Uma casa de madeira em meio à mata que logo é percebida por conta dos cheiros que exala. Naquele dia, o cheiro suave de breu branco nos deu as boas vindas. 

Os óleos, extratos e aromas de Sueula estavam expostos e prontos para serem utilizados. Depois de uma explicação sobre a função de cada um, chegou a hora de colocar a mão na massa e produzir o nosso próprio sabonete, processo que se torna simples com suas orientações. 

Fazer uma alquimia no meio da floresta Amazônica foi o mais perto que cheguei da magia.

focagem de jacaré

Focando jacarés à noite

Eu estava mais do que cheirosa quando fomos focar jacarés às 20h. 

A floresta, à noite, é uma atração completamente diferente. A temperatura diminui, o céu é habitado por estrelas, os sapos cantam em coro e os jacarés caçam. O nosso objetivo era ver, de longe, esses répteis que podem chegar a até cinco metros de comprimento. 

Mas, no breu da floresta e camuflado nas águas negras do Rio, os jacarés passam despercebidos. Por isso, é preciso ter alguém que consiga identificar a única coisa que eles deixam para fora da água: seus brilhantes olhos. Caio e Gabriel foram excelentes nessa tarefa. Conhecedores da mata e de seus bichos, nos mostraram com facilidade vários deles. 

A experiência de estar em uma canoa à noite no meio do rio pode ser um pouco assustadora no começo, mas logo me acostumei com o silêncio e a luz das estrelas. Brilho esse que é refletido nas águas paradas do rio. Lá, existem dois céus. E você entre eles.    

trilha amazônia

Dia 3: Caminhando pela selva

A programação de quinta-feira dependia de como o dia ia amanhecer. Ao abrir a cortina do meu quarto vi o céu azul, então, vesti a legging, calcei o tênis e peguei a mochila: estava pronta pra fazer a trilha na selva. Depois do café, claro. 

Às 8h30 saímos em direção a uma área de mata fechada. Acompanhadas de Gabriel e Caio, demos início a nossa caminhada. Nos primeiros passos já pude sentir a presença imponente da selva e seus moradores. Pegadas de pacas, teias de aranha, canto dos pássaros, tocas de cobras, árvores medicinais… Tudo isso nos era apresentado e explicado por nosso guia. 

Durante nossa caminhada, aprendi ainda mais que a floresta nos dá tudo que precisamos para sobreviver. E que, graças ao conhecimento ancestral repassado por gerações, podemos ter acesso às medicinas da floresta. 

Ao sentir a Amazônia embaixo de meus pés, me conectei completamente com a Terra e tudo que nela existe. Honrei e respeitei o seu povo em pé, que nos mantém vivos e seguros.

canoagem amazônia

Remando pelo Rio Negro

Ao longo da minha experiência na Floresta Amazônica, descobri que muitas coisas que eu acreditava serem simples, eram completamente o oposto. Como por exemplo, controlar uma canoa. É muito mais difícil do que parece remar em linha reta. Mas talvez seja uma das melhores maneiras de passear pelo Rio Negro. 

Me diverti bastante enquanto tentava pegar o jeito da canoa. Também fiquei ainda mais apaixonada pela paisagem formada entre o encontro de rio e floresta. A água espelhada se transforma em uma tela pintada pelas cores das árvores. 

Árvores que são a casa de animais como bichos-preguiça e macacos. Ali, eu estava apenas como visitante.

nascer do sol amazônia

Dia 4: Assistindo ao espetáculo do sol nascente

Acordar ainda no escuro vale muito a pena quando você está no meio da selva. Apreciar o silêncio e a tranquilidade da floresta, pra mim, é um calmante natural. E ter a oportunidade de ver o sol nascer no meio do Rio Negro foi como tomar uma jarra inteira de chá de camomila. 

Ouvir os pássaros acordando e dando bom dia ao mesmo tempo em que os raios de sol tocam nas nuvens é experienciar a chegada de um dia inteiro de possibilidades. Contemplar o ritmo da vida na floresta coloca muitas coisas em perspectiva. 

praia de rio

Banhando na praia de rio

É impressionante como a floresta se transforma ao longo do ano de acordo com o volume de água dos rios. A mudança ocorre todos os dias, mas para os olhos não treinados, é difícil perceber as diferenças. Por isso, a surpresa é enorme ao vermos que onde antes havia praia, depois de algumas chuvas, não enxergamos nada além de água.

Como a minha experiência aconteceu na época de transição entre a seca e a cheia (março), tive a sorte de aproveitar a ainda aparente Praia Grande. É lindo o contraste entre a areia fina e branca e o rio avermelhado. 

Na parte rasa, é possível enxergar o fundo do rio e o cardume de filhotes de matrinchã. As águas quentes na superfície e refrescantes no fundo criam a temperatura ideal para um belo banho. O dia estava tão lindo e o céu tão azul que tudo que fiz foi ficar de bubuia (expressão amazonense que significa ‘ficar de molho no rio’). 

Aprendendo sobre a horta medicinal

Após o almoço, pudemos ver de perto as plantas medicinais da Amazônia. 

Nilde aprendeu com a mãe a como utilizar as plantas no seu dia a dia. E hoje repassa esse conhecimento às filhas e a todos que se hospedam na Caboclos. “Eu quero mostrar é isso, a minha cultura, a minha tradição”, disse ela durante uma das muitas conversas que tivemos. 

O que aprendi com Nilde vai muito além de nomes de plantas e suas funções. Aprendi a valorizar da onde vim. Aprendi que as minhas raízes dizem muito sobre quem sou e para onde vou. Aprendi que todo mundo tem algo a ensinar.

oficina doces amazonenses

Dia 5: Fazendo doce de cupuaçu e castanha

Em toda a minha vida, eu nunca parei para pesquisar e aprender sobre como eram feitos os doces que eu amava. Antes dessa experiência na Amazônia, eu nunca tinha visto um coco de castanha, ou visto quão trabalhoso é abri-lo e quão perigoso é descascar a castanha que eu como quase que diariamente. 

Na Caboclos, eu não só entendi o processo como também participei dele. Ao propor oficinas para os hóspedes, a Caboclos oferece um turismo de experiência, onde ocorre um intercâmbio de conhecimento entre os ribeirinhos e os turistas. Além de lições valiosas sobre respeito, admiração e humildade.

Dançando carimbó

A música nortista, as saias coloridas, os pés girando e o riso de quem se permite experimentar invadiam o salão da Caboclos na noite de sábado. Karla, filha de Nilde, estava nos ensinando a dançar Carimbó, dança típica do Norte. 

Desde o primeiro dia eu estava super animada para aprender os passos e vestir o saião amarelo. Era uma daquelas coisas que eu sempre tive vontade de fazer, mas nunca fiz. Até aquela noite. E foi tão incrível quanto eu imaginei que seria. Sentir o ritmo da música e dançar com outras mulheres é sempre energizante. Ainda mais acompanhada de caipirinhas de cupuaçu e jambu. A noite acabou depois de muita prosa e risadas. Fui dormir já sentindo saudades.

Dia 6: Dizendo até logo

Eu ainda não aprendi a lidar com despedidas. 

Me senti tão em casa e bem recebida que não foi fácil dizer tchau à família da Caboclos. Em cinco dias, vivi uma experiência imersiva extremamente engrandecedora e enriquecedora. Criei memórias afetivas que guardo com carinho em meu coração. 

Na hora de partir, não foi adeus que eu disse, mas sim um ‘até logo’. Sei que volto.

Se você quer conhecer mais sobre a Caboclos House Ecolodge, hotel de selva onde vivi todas essas experiências, é só clicar aqui.